Minha tese de mestrado

Resumo

O Voto de Protesto local e o voto de protesto nacional: a análise da votação eleitoral de dois palhaços (2008/2010)

“Nunca antes na história deste país” se viram tantos candidatos “cacarecos”. A eleição proporcional de 2010 trouxe uma realidade potencializada talvez pela descrença da população com a classe política de um modo geral, e com os legisladores de modo particular. Nas antigas eleições manuais, o voto de protesto se dava pela descarga de votos num alvo peculiar, como o hipopótamo Cacareco em São Paulo ou o macaco Tião no Rio de Janeiro, ou o bode Zé em Araçatuba, interior de São Paulo. O eleitor também se permitia escrever nas cédulas palavras ofensivas e palavrões. Todos estes votos eram anulados pelos juízes eleitorais e o efeito do voto de protesto no resultado eleitoral era apenas o de aumentar a quantidade percentual de votos nulos.

As limitações impostas aos eleitores pela urna eletrônica os levaram a conceber uma nova forma de expressar seu voto de protesto: votar em candidatos peculiares que de alguma forma simbolizem seu protesto. O exemplo inegável deste novo fenômeno cultural-eleitoral criado pela urna eletrônica é a enorme votação do candidato Enéas Carneiro (PRONA) para deputado federal em São Paulo, em 2002. Sua figura marcante, seu tom agressivo ao falar e sua propaganda peculiar atraíram o voto de eleitores descontentes, que em outras eras recorriam ao voto de protesto, o que lhe rendeu quase 1,6 milhão de votos e levou em seu vácuo candidatos inexpressivos do partido. A performance do deputado lhe rendeu quatro anos depois pouco mais de 386 mil votos. (TRE-Paulística). O voto de protesto que antes, além de eleger animais, fazia aumentar o número de votos nulos, agora permite a formação de bancadas estapafúrdias nas Assembleias Legislativas Brasil afora e, igualmente preocupante, no Congresso Nacional. As Câmaras Municipais também vivem a onda do voto de protesto. Um dos exemplos mais marcantes dos últimos tempos se deu em Catanduva. Vagner Bersa, do PPS, conseguiu eleger-se vereador no município, depois de várias tentativas. Com a ajuda de um slogan duvidoso (“Palhaço por palhaço, votem num profissional”) conseguiu 1403 votos, num universo de 75 mil eleitores, e uma das onze vagas do Legislativo local. Será voto consciente, de protesto ou omissão? Será este o resultado da despolitização do processo eleitoral no Brasil, a ausência quase que total do senso crítico que se espera de um povo que vive sob o regime democrático?  Que fundamentos políticos levam os eleitores, que em pequenos e médios municípios têm vários vínculos que tradicionalmente lhe determinam o candidato, a romperem e optarem por alguém tão peculiar e diferente do seu modo de ser? Por que o eleitor nega vínculos com candidatos próximos socialmente e escolhe um cacareco, inclusive em seu voto local?

Objetivo e relevância do tema em relação à área de estudo

Levando-se em conta a efervescência que o manancial político oferecido nas eleições de 2010 provocou entre o eleitorado e os resultados obtidos nas urnas, além da progressão do número de candidatos celebridades a cada eleição, é válido investigar o que leva o eleitor, que tanto lutou pelo direito de escolher seus representantes, a jogar fora esta oportunidade. Este mesmo eleitor que, por desinteresse, desilusão ou despolitização, pouco se importa com o que cada um dos legisladores que ele ajudou, direta ou indiretamente, a eleger faz ou deixa de fazer. Isto pode ser chamado de alheamento eleitoral? Tal fenômeno já foi abordado pela cientista política Paola Novaes Ramos, na Universidade de Brasília. O que ela chama de alheamento pode ter motivações diferentes (votos nulos geralmente são associados a protesto, votos em branco, a indiferença, e abstenções, a repúdio aos candidatos, conteúdos ou sistema, ou ao comodismo), mas torna bamba a legitimidade do sistema representativo eleitoral.

Ednaldo Ribeiro, pesquisador da Universidade do Paraná, aponta que no cenário brasileiro alguns autores têm contribuído para a afirmação da relevância da cultura política sobre o comportamento eleitoral, algo que, defende-se, deve ser mais explorado na formação do cidadão. Um olhar mais crítico para a eleição presidencial de 1989 demonstrou que quase uma década antes a adesão normativa dos brasileiros à democracia se tornava cada vez mais consistente. Entretanto, também identifica uma acentuada frustração com o funcionamento concreto das instituições políticas do país. Associada à postura democrática, o interesse por política crescia, mas em paralelo também ganhava força um sentimento de indignação que se manifestava no voto de protesto. Esse dualismo em nossa cultura política, portanto, é proposto como fator explicativo relevante para um comportamento peculiar do eleitorado nacional (MOISÉS, 1990).

Estudos conduzidos por Marcelo Baquero, e apontados por Ribeiro, identificam um tipo de eleitor com traços personalistas e pragmáticos, também em razão do descrédito e desconfiança nas instituições políticas e nos seus operadores (1994), somado a um recorrente sentimento de ineficácia política (BAQUERO & CASTRO, 1996). O elemento personalista nessa interpretação teria sua base no desencanto com o funcionamento concreto das instituições políticas, especialmente dos partidos (BAQUERO, 2000). Pesquisa apresentada no Seminário Acadêmico da Secretaria de Comunicação da Câmara (Secom) em 2007, mostra uma queda no interesse da população pela política. Enquanto em 1989 esse interesse atingia 83% da população, hoje apenas 40% dos brasileiros se dizem interessados por política (MOISÉS, 2006). Estudo realizado com o apoio da FAPESP e conduzido pelos pesquisadores José Álvaro Moisés (USP), e Rachel Meneguello (Unicamp), intitulado A desconfiança dos cidadãos nas instituições democráticas, mostra que o cidadão médio brasileiro desconfiava ativamente de quatro das mais importantes instituições políticas do regime democrático (partidos, Congresso, governo e presidente). 80,6% reprovavam os partidos e 71,6% o Congresso em 2006. 

É importante destacar que o uso de votos em branco ou nulos não é uma prática recente. Maria do Carmo Campello de Sousa apontou ser esta uma das possíveis teses para a crise institucional que se abateu sobre o país no início dos anos 1960 (SOUSA, 1976). O processo eleitoral, dizem os estudiosos do tema, está nivelado por baixo, desmoralizado. Para onde este processo pode nos levar? “Tudo indica que o futuro Congresso será muito mais governista que o atual. E também com um número expressivo de ‘deputados cacarecos’, o maior da história recente, produto direto da inexistência do debate político. A despolitização abre campo para que ex-jogadores de futebol, comediantes, cantores e celebridades instantâneas sejam considerados puxadores de votos para partidos de todos os matizes”, apontava o historiador Marco Villa em seu blog.

O objetivo da pesquisa deste tema é justamente estabelecer as possíveis determinantes do voto de protesto e seus efeitos mais visíveis (que podem ser observados a partir do desempenho dos eleitos na Câmara Federal). Os índices de votos brancos, nulos e abstenções que, de certo modo, denotam intenção de protestar ou alienação. Qual o padrão político que leva um eleitor estadual a escolher o palhaço Tiririca (Francisco Everardo Oliveira Silva – PR-SP) para o cargo de Deputado Federal? Será o mesmo que o teria levado a escolher um também palhaço para a Câmara Municipal (Pimpão)? Vale ressaltar que Pimpão concorreu ao cargo de Deputado Estadual e chama atenção a proximidade dos números de votos que os eleitores de Catanduva deram aos dois palhaços. Pimpão conquistou 2093 e Tiririca 2348 votos na cidade (TSE).

Tiririca, alvo de duas representações na Justiça, uma delas por supostamente ser analfabeto, foi o depositário de mais de 1,3 milhão de votos de eleitores paulistas aparentemente descontentes com as opções que tinham nestas eleições. Seu bordão “Vote no Tiririca, pior do que está não fica” arrancou risos e manifestos de indignação entre os eleitores. Foi criticado por adversários e estudiosos da política, mas conseguiu a segunda maior votação para o cargo na história das eleições brasileiras.

Acredito que este estudo, com consequente aprofundamento nesta área, poderá contribuir para apurar nosso senso crítico, municiando-nos de dados e informações permitindo assim um novo olhar sobre a história da política brasileira.

A pesquisa se dará através de dados empíricos, experiências já relatadas sobre estes processos, a análise do recente processo eleitoral que vivemos, bem como bibliografia existente – parte dela ainda a ser explorada, bem como enquetes com eleitores e entrevistas com os candidatos. O trabalho também incluirá a análise das publicações sobre os candidatos e análises sobre o voto de protesto na imprensa local e nacional, bem como dados registrados pelo TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral) e TSE (Tribunal Superior Eleitoral)

Bibliografia

BAQUERO, M. Os desafios na construção de uma cultura política democrática na América Latina: estado e partidos políticos. In.: BAQUERO, M. (Org.). Cultura política e democracia: os desafios das sociedades contemporâneas. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1994.

BAQUERO, M.; CASTRO, H.C. A erosão das bases democráticas: um estudo de cultura política.

COSTA, Homero. Debilidade do Sistema Partidário e Crise de Representação Política no Brasil.

DAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Edusp, 1997.

In.: BAQUERO, M. (Org.). Condicionantes da consolidação democrática: ética, mídia e cultura política. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1996.

MOISES, José A. Cultura política, instituições e democracia – lições da experiência brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol.23, n.66, fev. 2008.

Ramos, Paola Novaes. Alheamento Eleitoral. Reflexões Sobre o Significado de Votos em Branco, Votos Nulos e Abstenções na Teoria Política Contemporânea. www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/viewFile/3356/2739

Ribeiro, Ednaldo. Cultura Política e Processos Eleitorais. http://www.opiniaopublica.ufmg.br/debate/Ribeiro11.pdf

SOUSA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil-1930 a 1964.

Candidatos reais concorrem a cacareco – _ HYPERLINK “http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100819/not_imp597113,0.php“__http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100819/not_imp597113,0.php_

Votos de Protesto: o que acontece quando um cacareco assume o poder –  Veja.com 23/09/2010.

Um palhaço de laboratório – Revista Veja edição 2184 páginas 94 a 96, 29/09/2010.

Palhacinho Pimpão – SP – _ HYPERLINK “http://candidatosbizarros.net/2010/09/palhacinho-pimpao-sp.html“__http://candidatosbizarros.net/2010/09/palhacinho-pimpao-sp.html_

Palhaço Pimpão é eleito vereador – Portal Terra, 7/10/2008.

O novo picadeiro de Pimpão – Diário da Região, 12/10/2008.    

Tribunal Regional Eleitoral e Tribunal Superior Eleitoral (sites).

Tema proposto à UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

Departamento de Ciências Sociais

Programa de Pós Graduação em Ciência Política

Mestrado

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